sábado, 14 de junho de 2008

"As pessoas achavam que eu era Zacarias", diz Murilo Benício


Murilo Benício não tem vergonha de dizer que seus melhores papéis na TV chegaram a partir de seus próprios pedidos. O ator, que interpreta o malandro Dodi em A Favorita, na Globo, substituiu Fábio Assunção na trama de João Emanuel Carneiro depois de ter recusado um outro papel no folhetim. Isso porque, inicialmente, a idéia do autor era aproveitar o embalo dos últimos papéis do ator, todos voltados para a comédia.


"A emissora entendeu que já estava na hora de mudar essa imagem. As pessoas já estavam achando que eu era o Zacarias. Estava vendo a hora de ser chamado para trabalhar com o Didi", brinca, sempre com muito bom-humor.


E, no início, chegou a imaginar que poderia não ser chamado para o papel, já que tem cerca de cinco centímetros a menos que a atriz Cláudia Raia, com quem faz par romântico. "Resolvemos isso com o uso de salto nos meus sapatos", conta.


Questão resolvida, Murilo não teve muitas dificuldades na hora de encontrar o tom de sua nova empreitada. Primeiro, porque o figurino de Dodi já indicava ao ator um comportamento grosseiro e com certo ar de malandro.


Além disso, logo que começou a ler os primeiros capítulos, Murilo decidiu recorrer a sua prateleira de longas e assistir algumas produções com tipos próximos ao de seu personagem. E foi logo nos primeiros que ele encontrou o que procurava.


"O Tony Montana, que o Al Pacino interpreta em Scarface, foi minha maior referência. Até o figurino dos dois é parecido. Sempre que começo um trabalho novo, busco informações no cinema", explica.


Você recebeu um convite para fazer A Favorita, recusou e depois pediu para interpretar o Dodi. Por quê?
O João Emanuel Carneiro tinha me chamado para fazer uma outra coisa, seria um personagem mais voltado para a comédia. Não quero dizer que dessa água não beberei mais, só que a minha imagem já está começando a se desgastar nesses tipos cômicos. Passei um tempo fazendo papéis bem dramáticos, como Por Amor, Meu Bem Querer, O Clone, e decidi mudar essa imagem. Fiz Chocolate Com Pimenta, Pé na Jaca, o filme Seus Problemas Acabaram, dos Cassetas, enfim, acho que já estava na hora de dar um tempo de comédia. As pessoas já estavam achando que eu era o Zacarias e já estava vendo a hora de ir trabalhar com o Didi. Mas a sinopse dessa novela me chamou tanta atenção que fiquei com vontade de entrar no elenco.



Por que você se interessou tanto pela história?
A vida hoje é feita de puro marketing. A pessoa que está no poder nem sempre é a mais competente, mas com certeza a que soube passar mais credibilidade. O marketing já venceu a competência. E é essa a atmosfera da novela, essa incógnita de quem vai se vender melhor. Essa dúvida é o que a história do João Emanuel tem de mais interessante.



Essa dúvida atrapalha na construção do personagem?
O Dodi é um personagem que está diretamente envolvido na trama central, mas acho que esse ponto não me afeta. Pelo menos por enquanto. Eu o enxergo até como um personagem óbvio demais para o conjunto da obra. Interpreto um cara que não deixa dúvidas sobre o seu desvio de caráter. Ele é vilão e isso não vai mudar. Com certeza trata-se de um cara sem berço e que só venceu na vida porque foi esperto e malandro. E, é claro, soube trabalhar seu próprio marketing.



Você se inspirou em algum outro personagem?
Sempre que pego um papel para estudar e criar, eu corro para os filmes. No caso do Dodi, minha maior inspiração foi o Tony Montana, personagem do Al Pacino em Scarface. O Dodi ganhou um ar bronco, meio grosseirão, que enxergo no longa também. Mas outros elementos me ajudaram a definir melhor o estilo e o comportamento do Dodi.



Quais elementos?
Acho que o melhor jeito de compor um personagem é experimentando seu figurino. No caso do Dodi, uso ternos com camisas sociais abertas até quase a altura do peito. Ele usa um cordão grosso que ele leva até para o banheiro na hora de tomar banho, acho que esses elementos são cruciais para a gente entender como ele deve se comportar. Além disso, ocorreram algumas transformações físicas. Eu não estava com essa barba e pintei o cabelo para aparecer com alguns fios grisalhos. Melhor assim, porque todo mundo fala de idade e o Dodi foi casado com a mãe da Lara, personagem da Mariana Ximenes.



E não tem muito tempo que você e a Mariana Ximenes fizeram par romântico em Chocolate com Pimenta, interpretando jovens que estudavam na mesma escola.
Sim, foi pouco tempo depois de eu ter feito o pai da Débora Falabella em O Clone. E por isso mesmo não acho que esses detalhes sejam tão importantes. Fiz uma peça recentemente, Fica Comigo Essa Noite, onde eu fazia par romântico com a Marisa Orth e nós também não temos a mesma idade. Se existe uma preocupação com a caracterização e as interpretações são convincentes, não tem problema. A Cláudia Raia, por exemplo, faz par comigo na novela. Acho que as cenas estão ótimas e que temos uma química enorme no estúdio. Até o problema da altura já foi contornado. Estou usando sapatos com salto. Para envelhecer um pouco mais o personagem, criei um jeito de falar diferente, bem mais grosso. E a diferença não é tão grande. Eu vou fazer 37 anos mês que vem e o Dodi não tem muito mais que 40.



A mudança do tom da voz é um dos recursos que você sempre utiliza nos personagens. Não tem medo de errar ou receber críticas?
Não, penso exatamente o contrário. Acho fundamental colocar ingredientes diferentes em cada trabalho. Claro que essa é uma forma de abrir o campo do erro, mas a gente tem de experimentar para poder acertar. O artista tem a obrigação de inovar sempre para não se tornar cansativo. Acho que não se aprende nada acertando. Só se ganha elogios. É no erro que a gente cresce, anda para frente. Não tenho a pretensão de me tornar a maior estrela da Globo, mas de me aperfeiçoar e estar sempre crescendo como ator. E isso também é muito subjetivo. O Artur, de Pé na Jaca, é um bom exemplo. Alguns adoravam o jeito dele, outros achavam ele um chato.



Essa é a segunda vez que você se oferece para fazer um papel cuja opção inicial era Fábio Assunção. Isso não incomoda você?
Claro que é muito gostoso quando alguém escreve um papel para você, mas minha vaidade não chega a esse ponto. Acho que isso acontece com várias pessoas. Sempre fui segunda ou até terceira opção. Sou ator contratado da emissora e tenho de tentar direcionar minha carreira de algum jeito. Em novelas, fui vilão em Irmãos Coragem e Esplendor, depois nunca mais. Então, quando soube que estavam procurando outro ator, liguei e disse que estava disponível. Até porque não quero que pensem que eu não estou com vontade de trabalhar.



Você se sente seguro para dizer não a certas escalações da Globo?
Acho que em qualquer profissão é preciso haver diálogo. Claro que se sou chamado para um trabalho e recuso, depois me chamam para outro e recuso também, já sei que na terceira vez que isso acontecer eu vou ter de aceitar. Logo que me chamaram para A Favorita, conversei com o Ari Nogueira, diretor de recursos artísticos. Expliquei que queria dar um tempo no humor e ele me entendeu. Depois dessa novela, se demorar a aparecer algum papel que seja interessante para minha carreira e eu tiver de ficar uns três anos parado, esperando, eles vão entender. Mas a gente sempre toma cuidado para não passar a impressão de que não queremos trabalhar.





Estréia marcante




Nem sempre os atores são desinibidos. Murilo Benício, então, era de uma completa timidez. Antes de iniciar sua preparação teatral, precisou vencer dois obstáculos que eram motivos de preocupação para os pais: a timidez e a gagueira.


Aos 10 anos, ingressou no curso do Tablado, no Rio, e não parou mais de estudar. Mas só depois de uma temporada trabalhando como garçom e entregador de pizza nos Estados Unidos conseguiu uma vaga na Oficina de Atores, da Globo.


Com isso, ganhou seu primeiro papel na TV, que o fez lembrar sua infância. Em 1993, o ator foi escalado para viver o gari gago Fabrício em Fera Ferida.


"O papel cresceu de um jeito que chegou a me surpreender", lembra.


Dois anos depois Murilo conseguiu em Irmãos Coragem um dos papéis mais densos de sua carreira televisiva. O ator encarnou o carrasco Juca Cipó, atuação que lhe rendeu o convite para ser um dos protagonistas de Vira Lata, em 1996.


No ano seguinte, marcou presença em Por Amor, interpretando o carente Leonardo. Já em 1998 atuou em seu segundo papel principal, como o pastor Antônio em Meu Bem Querer.


"Emendei várias novelas no início da minha carreira. Tinha fome de trabalho", brinca.


Em 2000, Murilo voltou ao ar como o vilão Cristóvão em Esplendor e, ao final, não pretendia entrar em outra novela tão cedo. Mas, com a impossibilidade de Fábio Assunção assumir os papéis de Diogo, Lucas e Léo em O Clone, o ator decidiu ligar para a emissora e se mostrou disponível para a vaga.


Foi aceito e de lá para cá só tem recebido personagens de destaque. Foi assim em Chocolate com Pimenta, América e Pé na Jaca.


Mesmo assim, Murilo detesta o rótulo de galã e não se sente à vontade na hora de lidar com a fama.


"Não tenho o desejo de me tornar uma estrela da mídia. Só quero ser um bom ator", filosofa.


Sem pressão


Murilo Benício resolveu dedicar todo o seu tempo pelos próximos meses à novela. Tanto que já encerrou as apresentações do espetáculo Fica Comigo Essa Noite, que encenava com Marisa Orth. A justifica para essa preocupação está em seu último trabalho na Globo.


Quando recebeu o convite para interpretar a abobalhado Artur de Pé na Jaca, Murilo estava viajando com o peça e recusou. Mas o autor Carlos Lombardi prometeu dar um jeito e garantiu o ator no elenco.


"Ele cumpriu a parte dele, mas eu gravava 30 cenas por dia e tinha que sair correndo para viajar. Não quero e não preciso mais passar por isso", afirma.


Trajetória televisiva
Fera Ferida (Globo, 1993) - Fabrício
Irmãos Coragem (Globo, 1995) - Juca Cipó
Vira Lata (Globo, 1996) - Bráulio Viana
Por Amor (Globo, 1997) - Leonardo Mota
Meu Bem Querer (Globo, 1998) - Antônio Mourão
Esplendor (Globo, 2000) - Cristóvão Rocha
O Clone (Globo, 2001) - Diogo, Lucas e Léo,br> Chocolate com Pimenta (Globo, 2003) - Danilo
América (Globo, 2005) - Tião
Pé na Jaca (Globo, 2006) - Artur
A Favorita (Globo, 2008) - Dodi

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