sábado, 28 de junho de 2008

Autores criam ambientes para integrar personagens nas novelas


Um personagem não é uma ilha. Por isso, os autores precisam sempre inventar maneiras verossímeis para fazer suas criaturas se encontrarem. Afinal, para ter história é preciso que o mocinho incomode o vilão, que trabalha junto com a mocinha, que fica amiga da irmã da vizinha e por aí vai. Esta espécie de centro de reuniões acaba sendo a chave para a maioria das novelas.


Pode ser a casa dos avós, onde a nora, viúva, ainda mora, ou uma pensão para onde vão todos que chegam na cidade ou até um edifício de classe média freqüentado por integrantes de vários núcleos.

O objetivo é ampliar a possibilidade de conflitos ou romances, para garantir cenas fortes sem ter de criar toda uma situação específica. "Até um café-da-manhã pode render uma seqüência impactante", justifica Ricardo Waddington, diretor de A Favorita.

Na atual novela das oito da Globo também há um desses "condomínios de personagens". Na casa de Irene e Gonçalo, de Glória Menezes e Mauro Mendonça, Donatela, viúva de Marcelo, o filho assassinado do casal, é uma das hóspedes.

E, até poucos capítulos atrás, ainda morava com o marido Dodi, de Murilo Benício, na mesma residência. A desculpa no ar é mais que duvidosa: o casal criou Lara, fruto da traição de Marcelo com Flora, de Patrícia Pillar.

A estratégia, além de favorecer Donatela na dúvida sobre qual das protagonistas é a vilã ou a mocinha, ainda facilita o trabalho da equipe.

"No ambiente rural, é difícil criar situações para que os personagens se cruzem. Em uma cidade fica mais fácil. Com isso, o cotidiano da convivência em família ajudam o desenrolar da trama", opina Ricardo.

Na Record, Gisele Joras também optou por juntar muitos personagens em único ambiente em Amor e Intrigas. A pensão de Celeste, de Denise Del Vecchio, facilitou seu trabalho de estréia e garantiu momentos de tensão e cruciais para o destino dos mocinhos Felipe e Alice, de Luciano Szafir e Vanessa Gerbelli.

"Criamos mais possibilidades de interligar conflitos e movimentamos vários núcleos", afirma.

Gisele pensou na estratégia desde que escreveu a sinopse, em um concurso de roteiristas da emissora. "Escrevi isso em 2005. Não houve interferência da supervisão nesse detalhe", conta, orgulhosa.

Não é de hoje que a estratégia é utilizada na televisão. Antônio Calmon usou uma pousada em Vamp, de 1991, um spa em Começar de Novo, de 2004, e agora, está usando novamente uma pousada em Três Irmãs, novela da sete substituta de Beleza Pura, que estréia na Globo a partir de meados de setembro.

A dona da pousada será vivida pela atriz Solange Couto. Calmon usa o recurso, apesar de afirmar que não gosta de escrever para muitos personagens em uma mesma cena.

"Talvez porque eu não saiba fazer direito. Ou porque como diretor de cinema, sei que é um saco para os atores. Mas quando acontece, funciona bem com os telespectadores", atesta.

Sílvio de Abreu, supervisor de Andréa Maltarolli em Beleza Pura, concorda que juntar personagens de temperamentos diferentes em um mesmo ambiente é interessante para as novelas. Mas não acha que isso facilite o trabalho do autor.

"É só uma maneira de contar uma história", desdenha. Mas, logo em seguida, confessa que essa é um alternativa para evitar coincidências forçadas. "Como quando todos da novela freqüentam o mesmo clube e na mesma hora ou vão assistir ao mesmo filme e escolhem determinado cinema", brinca.

Ana Maria Moretzsohn, que escreveu recentemente Luz do Sol para a Record, faz coro. Mas confessa que prefere utilizar esse recurso quando não se trata de uma residência.

"É mais fácil fazer os núcleos se relacionarem em um ambiente de trabalho ou de lazer do que em suas próprias casas", afirma.

Para Marcílio Moraes, responsável pelo texto de Vidas Opostas, exibida ano passado pela Record, juntar personagens diferentes facilita o desenrolar da história, mas é tarefa das mais difíceis.

Tanto que o autor prefere utilizar cenários como bares, restaurantes ou outros locais públicos e profissionais para esses encontros. "São freqüentados por todos os tipos de pessoas. Qualquer um pode se encontrar ali", justifica.

Mas concorda que, quando se consegue fazer isso em uma mesma casa, o resultado é bem diferente. "Quando você junta dois inimigos no mesmo espaço constantemente, basta que eles se cruzem na sala ou no corredor para acontecer uma cena que pode elevar o Ibope", garante.

Espaço limitado


Por uma questão de orçamento e até de espaço, há sempre um limite de cenários que podem ser criados para cada novela. "Tudo depende do tamanho do estúdio que você dispõe", resume Marcílio.

Ricardo Linhares, que escreveu com Gilberto Braga a novela Paraíso Tropical, afirma que esse número é estabelecido pelo bom senso de quem escreve e de quem dirige. Mas assume que não costuma pedir cenários que não tem certeza se serão muito usados no futuro.

"Sou do tempo em que uma novela terminava de ser gravada um mês antes de sua sucessora, justamente para liberar espaço", lembra, confirmando que se acostumou desde cedo a lidar com esses obstáculos.

Ana Maria Moretzsohn garante que a estratégia de juntar vários personagens em um único ambiente serve muito mais para a produção do que para os roteiristas. "Seria impossível criar várias casas ou escritórios para todos os personagens", confirma.

Já Cristianne Fridman, que se prepara para assinar sozinha o próximo folhetim das nove da Record, Chamas da Vida, garante que nunca precisou cortar cenários na emissora.

¿Sempre consegui um número suficiente para os meus núcleos¿, atesta. Mesmo entendo que existem limitações, Ricardo não concorda com o pensamento de Ana Maria. "Juntar personagens é mais pelo recurso dramático do que pela limitação de cenário", valoriza.

Instantâneas


# Em Belíssima, Katina e Murat, de Irene Ravache e Lima Duarte, moravam com três filhos e vários netos em uma casa em São Paulo. "Representava a mistura de culturas que existe na cidade", explica o autor Sílvio de Abreu.

# Em Chamas da Vida, que estréia dia 8 de julho na Record, Cristianne Fridman já criou uma pousada, uma fábrica de sorvetes, um quartel de bombeiros e uma mansão para a protagonista, além de outros ambientes onde vários personagens se cruzarão.

# Em Páginas da Vida, a mansão de Tide, de Tarcísio Meira, tinha como característica principal a mesa cheia de familiares na hora das refeições. A maior parte deles morando na própria casa. Situação parecida com a de Senhora do Destino, em que todos se juntavam em torno da mesa de Maria do Carmo, de Susana Vieira.

# Em Toma Lá, Dá Cá, todos os personagens moram no condomínio Jambalaya. Além disso, Maria Jorge, Celinha, Rita e Arnaldo, de Miguel Falabella, Adriana Esteves, Marisa Orth e Diogo Vilela, são vizinhos de porta.




Terra

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